quinta-feira, 3 de junho de 2010


“......Era tão pequeno / que ninguém o via.Dormia sereno, / enquanto crescia.Sem falar, pedia / - porque era semente -ver a luz do dia / como toda a gente.Não tinha usurpado / a sua morada.Não tinha pecado. / Não fizera nada.Foi sacrificado / enquanto dormia.Esterilizado / com toda a mestria.Antes que a tivesse, / taparam-lhe a boca– tratado, parece, / qual bicho na toca.Não soltou vagido. / Não teve amanhã.Não ouviu: "Querido..." / Não disse: "Mamã..."Não sentiu um beijo. / Nunca andou ao colo.Nunca teve ensejo / de pisar o solo,pezito descalço, / andar hesitante,sorrindo no encalço / do abraço distante.Nunca foi à escola / de sacola ao ombro,nem olhou estrelas / com olhos de assombro.Crianças iguais / à que ele seria,não brincou com elas / nem soube que havia.Não roubou maçãs, / não ouviu os grilos,não apanhou rãs / nos charcos tranquilos.Nunca teve um cão, / vadio que fossea lamber-lhe a mão, / à espera do doce.Não soube que há rios / e ventos e espaços.E invernos e estios. / E mares de sargaços,e flores e poentes. / e peixes e feras -as hoje viventes / e as de antigas eras.Não soube do mundo. / Não viu a magia.Num breve segundo, / foi neutralizadocom toda a mestria:Com as alvas batas, / máscaras de entrudo,técnicas exactas, / mãos de especialistasnegaram-lhe tudo / (o destino inteiro...)- porque os abortistas nasceram primeiro”

Nenhum comentário:

Postar um comentário